terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Carnaval de Ouro Preto: muitas histórias poucos locais

Graffiti: Ciro, Mele.k e Ramar
Foto: Flaviano Souza e Silva
Texto: Chiquinho de Assis

As reclamações estão à solta. Muitas delas, pertinentes e legitimadas por grande parte dos nossos empresários e ou moradores do nosso centro histórico, merecem nossa reflexão. Por isso vamos refletir, não somente com o olhar da preservação, mas com a certeza da cidade viva e que se renova a cada dia. Afinal, não somos Patrimônio Cultural da Humanidade? Uma humanidade caminhante. Não sei se bem ou mal.

Alguns comentários existentes na cidade traçam um mapa antropológico do carnaval de Ouro Preto que vem sendo desenhado ao longo de anos. Dizem por aí:

“– Na Praça Tiradentes aparece as Escolas de Samba, mais avó, sobrinho, cachorro, menino e passarinho”.

“– Na Rua Direita e na Rua Paraná fica a malucada, os bicho grilo”.

“– No Largo do Cinema só dá Morro Santana, Veloso, Piedade, Alto da Cruz, Vila Aparecida, etc”.

“– O Bar Toffolo, de dia é o espaço da família, à noite, a rua é um arco-íris”.

“– A Rua São José? Já foi o seu tempo”.

“– O largo da Alegria é um lugar sem briga. Só toca marchinhas”.

Deixemos a hipocrisia de lado e assumamos, quem nunca fez essa análise e ao longo dos anos não foi se adequando ao espaço que melhor lhe convinha?

Esses adjetivos localizadores mais dividem que precisam. Por exemplo, no Largo da Alegria até Funk tocamos todos os anos, mas todos dizem: “lugar das marchinhas”, e assim o somos. Logo, a situação não é tão fácil de resolver. Além do mais, toda e qualquer ação que vise sanar, modificar ou até mesmo interromper a naturalidade fabricada destes espaços terá que levar em conta sérias razões que contemplem, sobretudo, as múltiplas possibilidades de um entretenimento extensivo e coletivo que é a festa do carnaval.

Pra complicar, muitos dizem que Ouro Preto é uma cidade sem dono, por outro lado, acredito que é uma cidade com muitos donos, o que é bom e paradoxalmente problemático. Dentre os vários problemas, talvez o mais desanimador seja a atitude de alguns dos donos que somente o são no momento do xingar, do criticar, do invalidar, do boicotar, mas não no momento do pensar, do criar, do fazer, às vezes por falta de oportunidade, ou porque não são bem vindos mesmo. “– Cada macaco no seu galho”. Mas em se tratando de muitos donos, o que será que pensam os também donos da cidade moradores do São Cristóvão, do Padre Faria, da Bauxita, do Santa Cruz, do Pocinho, do São Sebastião, enfim, os donos que habitam todos os bairros à margem do Centro Histórico? Será que também têm oportunidade de opinar de forma ampla, pelos meios de comunicação, sobre o nosso carnaval?

Muitos se esquecem de que o tão lembrado Carnaval da Rua São José, no início da segunda metade do século XX, era embalado pelas mãos e pelos tambores dos moradores dos bairros marginais como, por exemplo, o Morro de Santana, nossa mais velha Escola de Samba, 1959. Mas sabe quando foi isso, no “[...] tempo do Carná na Rua São José[...]” como disse o nosso querido Vandico, que continua “[...] Mas hoje o desfile na praça perdeu toda a graça cercando o povão[...]”. E foi assim. As cordas passaram a delimitar o percurso das Escolas de Samba que surgiam pouco a pouco, sendo a última a São Cristóvão 1980. E alguns chiaram. Mas enquanto isso, a Rua São José se transformava, a Janela Elétrica iniciava os seus passos sonoros que tanto inspiraram toda uma geração. Mais tarde na década de 90 a mesma rua já fervilhava. Ir da rua São José à Praça Tiradentes à meia-noite com menos de 40 minutos? Impossível. Isso quando, pelo caminho, as pessoas não tropeçavam umas nas outras encantadas com a Janela Erótica que acabara de surgir. Para outros um atentado ao pudor... E assim fomos até o chamado “Não Carnaval”. Nesse momento não queiram imaginar quantos xingaram a homônima de sobrenome do alferes. Desta vez, a Barra, sempre palco de Gritos de Carnaval se transformou na sede do Carnaval. E xingaram!!!!

Mas veio a mudança no governo. Um novo tempo, novas promessas. Os comerciantes do Centro Histórico, insatisfeitos com a debandada de eventos para a região da Barra agora viam novamente a oportunidade de ver os seus balcões, mesas e cadeiras novamente repletos de clientes. “Só sei que foi assim[...]”. Junto com a volta da euforia comercial não vieram somente os clientes, mas também o Espaço Folia. Ou seja, como a Barra também chiou, veio uma solução: a Praia do Circo e sem palhaçada, hein?! “Hoje tem Espaço Folia? Tem sim senhor!”. Mas como chegou? Qual a obrigação em mantê-lo? Em caso de cancelá-lo, o que se fará com a enorme propaganda, desnecessária, feita em torno desta badalação midiática? Os blocos voltarão a concentrar-se com seus milhares em frente a suas sedes? Ich...

E quanto aos outros espaços?

Há muito que conversar... Lembrando que as ações para a salvaguarda do carnaval de Ouro Preto passarão pelo crivo do não imediatismo, conversemos já. Importante também será conquistarmos uma independência da política majoritária para tratar de algo que afeta a tantos. Um conselho popular seria uma das soluções, mas já houvera, resolveu?

Quanto à Rua São José, quais as propostas para este mito do Carnaval? Digo mito no sentido antropológico da estrutura permanente, de valor intrínseco, sempre atribuído ao passado (LÉVI-STRAUSS 1975:241).

Pois é, cadê o Godot? Não me diga que vai à Parada com Cocteau! Calma Becket!

Vai aqui um apelo e um pedido. Descubramos onde isso tudo começou e encarecidamente não tachemos financeiramente o carnaval genuíno e popular de Ouro Preto. O Candonguêro seleciona o seu público de forma espontânea, através da música e do teatro, e isso têm dado bons resultados. Para finalizar, é importante nos atentar para o fato de que, muitos dos que hoje vaiam, já aplaudiram os lucros advindos da bahianização e da cariocarização do carnaval, esquecendo que junto com a música vem um corpo, um povo, um jeito fabricado pela mídia televisiva e próprio desse som (e aqui nada contra os baianos ou os cariocas). Não façamos de Ouro Preto um pedacinho da Bahia ou do Rio, façamos de Ouro Preto uma cidade inteira onde a diversidade esteja manifesta nos nossos critérios, que, em boa hora, devem ser construídos de forma ampla, democrática e legitimadora. Temos séculos de histórias cativantes e em curso, temos um povo sofrido e forte que caminha durante o ano sobre ruelas lindas e frágeis.

Alegria? É passar o carnaval candongando no largo da felicidade e não saber sequer a melodia do créu. E viva o legítimo carnaval, legítimo porque conquistado e não imposto, muito menos pago pelos foliões. Viva a PAZ no carnaval de Ouro Preto.

4 comentários:

  1. È Eduardo, seu aluno na oficina de Curitiba.
    Legal esse blog, Chiquinho.
    Embora eu não esteja "por dentro" dos assuntos discutidos, achei interessante as matérias.
    Contudo, escrevo-te para pedir teu e-mail.
    Gostaria de te enviar algumas coisas.
    Abraços,
    Eduardo.

    eduhamlet@curitiba.org.br

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  2. Eu de novo! Também acho que a cultura e a tradição locais têm de ser valorizadas sempre. O carnaval de Ouro Preto que vem ganhando espaço na mídia é fabricado pelos moradores das repúblicas, que são competentes para isso, mas imprimem na festa a sua própria marca, ou seja, a marca de quem passa 4, 5 anos na cidade sem se envolver com ela. Penso que urge um projeto de educação patrimonial, a começar não mais pelos nossos baixinhos, mas pelos altinhos da UFOP, que sairiam daqui muito melhores se realmente se engajassem na vida da cidade que, conseqüentemente, também ganharia muito com tal participação.
    P.S. Alfinetada básica: no tradicional carnaval carioca só há samba. Nada de funk, viu?! kkkk

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  3. Oooo sujeito
    Aqui é nanati.
    Rapaiz, estou sem palavras, voce acabou de me levar numa viagem que eu não fazia a muito tempo.
    Esta efervescência cultural e musical, somada a está garoa da madrugada está simplesmente fantástica.
    Olha, parabens pelo blog, achei de muita qualidade as matérias, histórias e curtas.
    parabens mesmo.
    Se voce queria mostrar uma Ouro Preto sob o olhar de um apaixonado Ouro Pretano, você conseguiu.

    Te desejo sucesso aí para seu proximo ano, estarei aqui torcendo por você.

    Abraços

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  4. Kra,
    Mto bom
    Eh a pura verdade!
    Principalmente na parte em que vala sobre os pontos de ouro preto!
    Todo ano vou ver seu show lah no final da São José Chiquinho!
    uhsauhsa

    Abração kra!
    Parabens pelo Blog

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